Wednesday, December 28, 2011



Como incendiar um retrato de Dorian Gray


Ela agora andava sobre a sua própria face, e nessa dialética entre ela e o espelho, percorria com as retinas sua testa,  nariz,  voltinhas nos cantos do lábios quando sorria... e os olhos tinham mania de escutar e agora estavam mais rigorosos, delineados, antigos. Aliás, caro leitor: agora já não era tão assustador. E enquanto cantarolava  alguma coisa da Chavella, interrompeu subitamente qualquer outro pensamento que viesse a germinar e tocou-se: “um rosto como esse, marcado como esse, só pode ser um mapa”.
Narcisista de pai e mãe, estática no eixo de si, contemplava-se - dizem que ela nunca mais saiu da frente da penteadeira... os olhos lacrimosos: mas não de angústia. Ela teve medo de piscar e perder mais um caminho surgindo nas entrelinhas da face descoberta. E esse, agora – que fique entre nós, caro leitor – é o tesouro da tal moça envelhecida.
E queimou “O retrato de Dorian Gray“ que cristalizava a cabeceira da cama. Se tanta gente lia as mãos, ela agora seria leitora da sua própria face. Eternamente. Ela e seu tesouro. O mapa.


Thaiz Cantasini