Thursday, May 16, 2013


(Encontrei essa carta entre minhas coisas, numa pasta antiga. Resolvi dar-lhe de novo vida e desengavetá-la)


Envelope de carta: Aos cuidados do Cavaleiro Solidão


Remetente: Thaiz Cantasini

Eu dei um beijo no Cavaleiro Solidão.
Ele tem a voz petulante e comanda todos os exércitos, menos o do coração.
Ele me diz que não quer mais que um beijo, porque eu sou uma mulher e ele é um menino.
O cavaleiro usa um chapéu de papel na cabeça, e marcha.
Ele sonha e sonhando segue: esguio, olhos de falcão. Vezes  grosso, vezes doce.
Eu dei um beijo no Cavaleiro Solidão.
Porque eu pedi primeiro e provoquei sua intenção. 
Eu beijei porque eu duvido.
Eu beijei porque ele também duvida.
Ele tem medo, mas eu não. Eu não tenho medo de nada.
Só que eu também sou menina.
(isso é um segredo)
Ele pensa que eu sou uma dama da alta fidúcia, mas eu ando descalça e não tenho um chapéu.
Eu vivo de pequenos empréstimos.  (Um monstro moral? )
O cavaleiro comanda as massas e dorme sozinho.
Ele dorme sozinho porque ele quer manter o coração longe dos negócios e milícias.
Enquanto isso, eu rodopio no moinho que in-vento, rodo as saias, deslizo em escorregadias dosagens de vida. Eu me permito errar sempre, porque eu sou legitimamente ingênua e tola (uma dançarina de ventilador).
Ele me chamou para morrer na montanha com ele, em dia de tempestade. E eu irei porque gosto de vê-lo insistir quando quer alguma coisa. E porque ele fica bonito quando fica triste. 
Eu vi o Cavaleiro Solidão olhar para o meu decote essa noite e fiz de conta que eu já não era mais menina. Eu minto para tirar vantagens ou para conseguir sexo... e não acho isso horroroso.  Ele me censura, enche meu corpo de tarjas pretas. Eu berro da janela do taxi: “Seu pajé tirano!”. Ele ri.
Ele acredita em tudo que eu digo. E eu acredito em todas as histórias e brasões que ele conquistou. Eu acredito nas terras que ele pisou e nos arvoredos que ele derrubou com seu machado. Acredito nas cidades que ele levanta e nas mulheres que ele perdeu por medo.
Ele coloca mulheres nuas para correr porque tem a mania de esfregar as mãos malicioso e isso afasta a clientela (degustando o prato antes dele ser devidamente servido, capitão?). Comigo ele não fará isso, porque eu não correria nua: eu sei gargalhar. Ele sabe disso. Acredito no Cavaleiro Solidão e ando com ele porque ele jura que é um menino. (E somos amigos, então)
(Ando com ele porque meninos geralmente não mentem como homens)
Eu escrevi este poema porque eu acredito que o Cavaleiro sequer  saiba ler.
Ele pensa que as palavras sejam para pintar. Ele pintará todo esse poema, até que não reste mais nenhuma palavra.



Saturday, May 04, 2013


   Imagem: Phila7


DEsproporção

Noventa cubos de gelo dentro de um copo americano
para quatro Picos Everest, isso por metro quadrado.
Orvalho em pedra úmida de manhã para cada
litro de sereno.
(A-b-a-i-x-o-d-e-z-e-r-o)
Mas em outras dimensões de gelo e anilina
avisto os Alpes em cores e pares de patins de inverno...
Ignoro já tomada pelo tremor e pelas novas câimbras.
Um corpo dentro de uma geladeira.
Som do motor natural que o gelo promove e consome.
- 100°
E agora o choro é um cristal parido dos olhos.
(Ah, essas meias inúteis que insisto em usar...)
A dureza do não-fluido,
do não líquido,
Quiçá uma solidificação.

(Derreta-me)
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