(Encontrei essa carta entre minhas coisas, numa pasta antiga. Resolvi dar-lhe de novo vida e desengavetá-la)
Envelope de carta: Aos cuidados do Cavaleiro Solidão
Remetente: Thaiz Cantasini
Eu dei um beijo no Cavaleiro Solidão.
Ele tem a voz petulante e comanda todos os exércitos, menos
o do coração.
Ele me diz que não quer mais que um beijo, porque eu sou uma
mulher e ele é um menino.
O cavaleiro usa um chapéu de papel na cabeça, e marcha.
Ele sonha e sonhando segue: esguio, olhos de falcão. Vezes grosso, vezes doce.
Eu dei um beijo no Cavaleiro Solidão.
Porque eu pedi primeiro e provoquei sua intenção.
Eu beijei porque eu duvido.
Eu beijei porque ele também duvida.
Ele tem medo, mas eu não. Eu não tenho medo de nada.
Só que eu também sou menina.
(isso é um segredo)
Ele pensa que eu sou uma dama da alta fidúcia, mas eu ando
descalça e não tenho um chapéu.
Eu vivo de pequenos empréstimos. (Um monstro moral? )
O cavaleiro comanda as massas e dorme sozinho.
Ele dorme sozinho porque ele quer manter o coração longe dos
negócios e milícias.
Enquanto isso, eu rodopio no moinho que in-vento, rodo as
saias, deslizo em escorregadias dosagens de vida. Eu me permito errar sempre,
porque eu sou legitimamente ingênua e tola (uma dançarina de ventilador).
Ele me chamou para morrer na montanha com ele, em dia de
tempestade. E eu irei porque gosto de vê-lo insistir quando quer alguma coisa.
E porque ele fica bonito quando fica triste.
Eu vi o Cavaleiro Solidão olhar para o meu decote essa noite
e fiz de conta que eu já não era mais menina. Eu minto para tirar vantagens ou
para conseguir sexo... e não acho isso horroroso. Ele me censura, enche meu corpo de tarjas
pretas. Eu berro da janela do taxi: “Seu pajé tirano!”. Ele ri.
Ele acredita em tudo que eu digo. E eu acredito em todas as
histórias e brasões que ele conquistou. Eu acredito nas terras que ele pisou e
nos arvoredos que ele derrubou com seu machado. Acredito nas cidades que ele
levanta e nas mulheres que ele perdeu por medo.
Ele coloca mulheres nuas para correr porque tem a mania de
esfregar as mãos malicioso e isso afasta a clientela (degustando o prato antes
dele ser devidamente servido, capitão?). Comigo ele não fará isso, porque eu
não correria nua: eu sei gargalhar. Ele sabe disso. Acredito no Cavaleiro
Solidão e ando com ele porque ele jura que é um menino. (E somos amigos, então)
(Ando com ele porque meninos geralmente não mentem como
homens)
Eu escrevi este poema porque eu acredito que o Cavaleiro
sequer saiba ler.
Ele pensa que as palavras sejam para pintar. Ele pintará
todo esse poema, até que não reste mais nenhuma palavra.